(Crítica) A democratização da Inteligência Artificial e o custo para o consumidor

É sem estranheza que inteligência artificial foi uma das "palavras do ano" como revelou a Porto Editora. O ano de 2023 foi tão significativo para o desenvolvimento desta tecnologia, que 2024 se figura como tão ou mais importante no que toca a esta temática. Com diversas empresas de renome nesta corrida, como a Google e a Microsoft, é natural ficarmos expectantes, excitados e preocupados com a enchente de novidades e possibilidades. Todavia, no meio de tudo isto, existe algo que falha na conversa: o custo para o consumidor e de como, só agora, o começamos a compreender.

Os progressos das gigantes

Foi este ano que a Microsoft superou o valor de mercado dos triliões por conta de um salto de 40% incentivado pela IA. Desde os desenvolvimentos na OpenAI com o ChatGPT até ao Copilot, que chegou este ano a ofertas empresariais e ao Office, a empresa está imparável no desenvolvimento de soluções de inteligência artificial. O mesmo se pode dizer da Google que, após um longo sprint, conseguiu revelar o Bard e, posteriormente, o modelo Gemini que o alimenta e empodera os utilizadores na utilização destas ferramentas de grandes modelos de aprendizagem.

A apresentação onde a Google demonstrou as capacidades do seu modelo Gemini

Estas evoluções, rápidas e a um nível frenético, começam este ano a fazer mais sentido, já que muitas delas ganham maturação e maior compreensão a imagens, vídeos e a todo um conjunto de documentos (quer já criados, quer a serem criados). Se adicionarmos a nova gama S24 da Samsung, está claro de como a influência destas empresas na construção de uma sociedade empoderada por IA é real. Quer seja pela Google nos dispositivos móveis, quer na Microsoft quando usamos computadores e pensamos em produtividade movida a documentos de Word, Excel e PowerPoint, parece ficar claro o nosso futuro.

Os ganhos do consumidor

A revolução tem sido equivalente a uma função exponencial, crescente e alvo de espanto de muitos. Tem sido comum com esta democratização encontrarmos quem use estas ferramentas para criar imagens, rever texto, sugerir pontos para um trabalho, para ajudar a estudar ou auxiliar em tarefas laborais ao criar mapas mentais gigantes. As possibilidades são infinitas e, se usamos a versão paga do ChatGPT, por exemplo, podemos utilizar até a voz para comunicar. Com a descoberta de que a OpenAI está a trabalhar para substituir o Google Assistente no Android (por escolha do consumidor) e a Google a trazer o Bard (futuramente Gemini) para os seus Pixel em março, estas ferramentas começaram a entranhar-se de tal forma no quotidiano, que não usá-las será um desafio acrescido.

A Samsung ilustra alguma das funcionalidades de IA associadas à produtividade

Para os que acham tudo isto demais para um mero humano processar, não se esqueçam que modelos de aprendizagem já existem há anos. Pode-se falar na fotografia, com deteção de cena, reconhecimento de objetos ou, com a ajuda de sensores de laser ou cor, processar uma imagem de forma mais exata; ou até na previsão dos padrões de utilização para suspender aplicações, notificações ou melhorar a duração da bateria. O mesmo para os novos equipamentos da Samsung e Google, onde, para além de sumarizarem documentos, podem gerar wallpapers únicos e editar fotografias sem qualquer curso de novecentas horas de Photoshop.

O custo para o consumidor

Estas inovações são entusiasmantes e têm o poder de revolucionar a criatividade humana ao a elevar ao máximo. Porém, existe um lado negativo e mais duvidoso associado a esta tecnologia. Se aliarmos ainda estes factos a uma discussão mais sombria, torna-se claro que o custo para o consumidor precisa, efetivamente de ser regulado.

Na Europa, o Microsoft Copilot está desabilitado no Windows 11 por não estar em conformidade com as regulamentações europeias. Com grande foco na privacidade e tratamento de dados, a Europa concretizou a primeira grande lei mundial a respeito dos grandes modelos de aprendizagem. Com o receio de que muitos dos mesmos foram treinados utilizando arte e obras de autores que não o autorizaram, percebe-se como as críticas a quem usa esta ferramenta em fins artísticos seja de grande desdém. O mesmo para os canais de comunicação que substituíram alguns profissionais por ferramentas de IA na revisão ou até apresentação de notícias.

O Channel 1 é o primeiro canal onde os apresentadores são gerados artificialmente por meio de scan de pessoas reais. O objetivo é fornecer notícias altamente personalizadas e associadas, por exemplo, ao idioma de quem vê o canal.

Estas ferramentas são promissoras e mudam, todos os dias, o panorama social e laboral. O certo é que as mesmas acabaram por se tornar obsoletas à medida que evoluções significativas acontecem. Com diversas variações a surgir no mercado, as empresas começam a perceber de que forma conseguem gerar lucro por meio das mesmas, e que ajude a suportar todo o poder de processamento necessário. Por exemplo, a Google anunciou que o seu modelo Gemini Ultra será pago, semelhante ao ChatGPT4 (20€/mês). A Microsoft disponibiliza uma versão paga do Copilot para empresas e utilizadores Premium do Office 365, com integração em documentos. Até a Samsung anunciou que, em 2025, algumas das suas funcionalidades mais exigentes passarão a ser pagas. Assim, embora tudo isto pareça promissor, começamos a perceber como pode começar a limitar a democratização, uma vez que as versões gratuitas destas ferramentas apresentam limitações.

Acresce ainda, a meu ver, o lucro ou valores morais e éticos na utilização destas ferramentas. O de que, uma vez que as mesmas aprendem com cada interação, o utilizador seja agente ativo na mesma. Se aliarmos esta preocupação (que pode ser desabilitada no ChatGPT, por exemplo) ao facto de que temos somente duas empresas com grandes esforços na área, parece-me assustadora a ideia de que as mesmas, ao longo dos anos, ganhem todo este conhecimento e influência no mercado social e laboral.