É inegável como a Apple se configurou como uma grande empresa, não só pelo detalhe que dá a cada produto no momento do seu planeamento, apresentação e lançamento, assim como da manutenção que dá ao mesmo ao longo de um ciclo de vida generoso por meio de atualizações. O utilizador, nestes primórdios, não comprava somente o equipamento que queria, mas sim a promessa da empresa de que, por um conjunto de seis anos, o seu investimento iria render. Falamos, claro, não só de melhorias e correções de erros constantes, como em algo que, até há pouco tempo, o mercado Android não tinha: o de um equipamento melhor a reter o seu valor de mercado.
Os anos passaram desde que a Apple concretizou o total destas atualizações para os seus equipamentos e, não só o mercado ouviu e viu, como os utilizadores apreciaram e, naturalmente, mantiveram-se com a empresa. Fidelizados à sua palavra. Porém, o que mudou nos últimos anos foi a concorrência no mercado Android e a luta pela atenção do consumidor, analistas e shareholders. Lançar um bom equipamento não basta nos dias de hoje, mas a promessa contínua da marca de que, por um conjunto de anos, o irá suportar. E, quer impulsionado por diretrizes da União Europeia, quer pela concorrência no segmento topo de gama, empresas como a Samsung reviram e impulsionaram a indústria. Se em agosto de 2020 a empresa anunciou 3 anos de atualizações de Sistema Operativo (SO), em fevereiro de 2021 a empresa aumentou para 4 anos, ano em que a Google prometia 5 anos. Neste intervalo de tempo, em 2023, a Google decidiu elevar a fasquia e prometer 7 anos de atualizações para, a janeiro de 2024, a Samsung vir a público fazer o mesmo.
Este jogo do gato e do rato promete mudanças significativas no tecido tecnológico no mundo Android. Não só as empresas concorrentes se viram obrigadas a acompanhar a tendência, oferecendo entre três e quatro anos atualizações de SO e até cinco anos atualizações de segurança, como poderemos esperar que uma melhor valorização aconteça no lado do consumidor para eventuais revendas de equipamentos. Perante tais cenários, muitos dirão que estamos no pico do mundo Android, certo?
As declarações do CEO da OnePlus
"Imagine que o seu telemóvel é uma sanduíche. Alguns fabricantes estão agora a dizer que o recheio da sua sanduíche — o software do seu telemóvel — ainda estará bom para comer daqui a sete anos. Mas o que não lhe estão a dizer é que o pão da sanduíche — a experiência do utilizador — pode estar mofado após quatro anos. De repente, uma política de atualizações de software de sete anos não importa, porque o resto da sua experiência com o telemóvel é terrível."
Estas foram as palavras ditas pelo presidente da OnePlus, Kinder Liu, numa entrevista ao popular site Tom's Guide, onde o mesmo justificou o porquê de a empresa oferecer 5 anos de atualizações ao invés das 7 prometidas pela Samsung e Google. E, quer se possa pensar que tais declarações tenham o fundamento de uma OnePlus não ter a capacidade económica e share de mercado para investir em programadores e suas equipas ao longo dos anos, sou obrigado a concordar com esta posição.
O porquê de considerar sete anos demasiado tempo
Atendendo às ameaças crescentes, sete anos de atualizações de segurança, quer sejam anuais, bimestrais ou semestrais, é fundamental e vai ao encontro do pedido pela União Europeia neste tema, não só a nível de sustentabilidade, como de esta compra se figurar amiga para o utilizador. Todavia, ao falarmos de sete anos de atualizações de sistema operativo, poderemos estar a comprometer o equipamento em questão, já para não falar que, honestamente, se traduz a um marketing engenhoso.
Se voltarmos ao início do artigo e à promessa da Apple, temos já em nós exemplos do que acontece quando uma empresa fornece atualizações aos seus equipamentos por um longo período. A mesma não fornece somente um novo número do iOS na página das informações do equipamento, mas funcionalidades ausentes e que não se traduzem, na verdade, em nenhum acrescento significativo ao utilizador. Isto não é por a Apple ser inimiga do consumidor, mas antes pela necessidade de preservar a experiência de utilização geral e de lidar com uma bateria enfraquecida ao longo dos anos, um processador mais lento e uma capacidade de memória e armazenamento que não conseguem acompanhar com o tamanho de novas atualizações, novas aplicações, entre outros fatores.
A Samsung também demonstra com detalhe estes casos, visto que ao termos relatado uma funcionalidade nova que chega aos equipamentos do ano passado, como a mesma se baseia em inteligência artificial e os processadores dos anos anteriores (Qualcomm e Exynos) não serem capazes de lidar com a funcionalidade, a mesma não chegará aos equipamentos anteriores a 2023. Isto não só se traduz no natural progresso, como demonstra também no caso do mundo Android, que sete anos de atualizações de SO não se traduzem necessariamente em sete anos de novas funcionalidades. As marcas sabem isso, o consumidor também já o vê, pelo que a questão se este fator é realmente benéfico é questionável.
O que mais há para inventar?
Há muito se fala que os smartphones já atingiram o seu pico. E, quer a Google continue a desenvolver "em segredo" o seu próximo novo sistema operativo, quer as próximas versões do Android sejam assentes em modelos complexos de IA que atuam no dispositivo, ao invés da internet, é certo que um Pixel 8 em 2030 deverá com grande probabilidade não aguentar com tudo o que faz a versão Android dessa altura e receber, obviamente, uma versão capada. Todavia, existe uma outra possibilidade e é a que me causa mais comichão.
É bom que o nosso aparelho, ao longo dos primeiros anos, receba atualizações que mudem o seu visual, que façam gerir melhor a memória e eventual consumo energético. Todavia, se estas promessas forem para ser levadas à letra, poderá significar que as próximas versões do Android sejam saltos meramente simbólicos, o que dará mais autonomia às empresas para, nas suas interfaces próprias, oferecer novas funcionalidades que passam por meras atualizações a aplicações nativas, por exemplo. Ou seja, sem real progresso.
É preciso inovar noutras áreas
Nada disto terá real benefício se, ao fim de cinco anos, o utilizador não conseguir mudar com facilidade a sua bateria ou o seu ecrã por não conseguir encontrar as peças correspondentes. Com a UE a forçar abordagens mais amigas do consumidor e empresas como a Apple e a Samsung, nalguns países, a terem programas para reparação em casa e feita pelo consumidor, longos anos de suporte precisam de vir acompanhados com disponibilidade de garantia e reparação por parte das empresas em todos os países, não só nos principais mercados.
Acresce ainda a necessidade da Google forçar a adoção de diversas das suas API's por forma a eliminar de uma vez com a desfragmentação que, apesar de vir a melhorar, ainda existe no mercado atual. As empresas têm a responsabilidade de saber desenhar um plano a longo prazo para as suas interfaces e, muito provavelmente, as mesmas começaram, agora que o Android puro se encontra maturado, a divergir para sistemas ainda mais próprios, únicos e personalizados. Sete anos parece-me um ótimo compromisso, mas resta saber se um telemóvel chegará a essa data incólume e com real valor dado ao consumidor em cada um desses anos.
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