Quando a Samsung terminou, no mais recente Unpacked, a sua apresentação com a frase "The next big thing is you" logo após demonstrar o que se poderá esperar do Samsung Health no final do ano (ou seja, no próximo grande Unpacked) e da eventual chegada da Inteligência Artificial a esta plataforma de saúde, refleti em como estamos a divergir do foco dos dados do utilizador para publicidade para um outro tipo de dados e serviços. Uns personalizados, únicos, exclusivos e, sem dúvida, de importância elevada.
Samsung Health e a minha visão do futuro
Quando se começou a falar da aplicação de ferramentas de inteligência artificial aos nossos smartphones, a primeira coisa que desejei foi que a mesma estivesse integrada nos serviços de saúde. Com o cuidado das fabricantes de não quererem substituir médicos e outros profissionais da área, nomeadamente personal trainers ou nutricionistas, a minha visão converge para, com os dados recolhidos pelos sensores que temos no corpo (telemóvel, relógio ou anel), a IA conseguir oferecer dicas personalizadas e simples para atingir determinados objetivos e até aconselhar na procura por pessoal especializado.
Tenho consciência de como esta inclusão seria um prego no caixão de diversos profissionais, mas, se as empresas conseguirem fazer a ponte entre informação e promoção de diversas áreas, a mesma pode até, na minha ótica de implementação, ser uma forma de desmistificar diversos preconceitos. Tudo isto parecia utópico e longe de chegar ao consumidor comum, já que diversos institutos e hospitais têm descoberto e desenvolvido sobre grandes modelos de linguagem para ajudar na deteção de doenças. Mas, com a apresentação feita no Unpacked 2024, os meus olhos brilharam com aquilo que a marca prometeu.
O que promete a Samsung?
Iniciando a apresentação com um breve vídeo publicitário que retrata a evolução da humanidade, a empresa destacou, durante o evento no palco, como a sua plataforma é atualmente impulsionada pela inteligência artificial. Destacou-se as capacidades inovadoras da IA, que, na minha opinião, justificam o crescente entusiasmo por mais aplicações desta natureza. Entre essas capacidades, está a facilidade com que os utilizadores conseguem compreender efetivamente os seus valores, resultados esperados e objetivos.
Isto acontece pela existência de dicas personalizadas por forma a causar impacto no utilizador e que podem atender, quer ao sono, como alimentação e atividade física. A marca promete ainda o rastreio de Apneia do sono, algo único até agora nestes dispositivos, e que pode levar a um melhor diagnóstico por parte dos profissionais de saúde visto que tais equipamentos estão constantemente a monitorizar os nossos sinais vitais. O mesmo para a própria medicação que tomamos, em que a aplicação, com base no que sabe dos medicamentos e alimentos que comemos, consegue avisar o utilizador de possíveis efeitos indesejados. Isto acontece por meio de sugestões e dicas, sempre, com base científica.
A juntar a isto, está a pontuação vital, com base em diversas métricas recolhidas e uma análise ainda mais compreensiva dos dados recolhidos e analisados pelo algoritmo. Ou seja, a empresa apresentou um conjunto de funcionalidades cientificamente testadas que irá possibilitar, ao cidadão comum, um acesso fácil e democratizado da informação de saúde que não necessite de grande acompanhamento médico.
Nem tudo são benefícios...
Contudo, apesar da disponibilidade generalizada destas ferramentas de fácil acesso para o cidadão comum, que na maioria dos casos (mais de 90%) não possui conhecimento sobre o funcionamento do corpo humano, existem vários riscos que empresas como a Samsung devem monitorizar cuidadosamente. A minha preocupação não se centra exclusivamente na segurança dos dados, mas sim na possibilidade de, no futuro, os algoritmos utilizarem esses dados para invadir a privacidade do utilizador. Isto poderia acontecer através da oferta direcionada de serviços ou seguros baseados nessas informações. Além disso, existe o risco de as seguradoras negarem certas coberturas com base no histórico de saúde contínuo do utilizador. Claro que, para que esta situação se torne uma realidade, seria necessário que toda a população utilizasse estes dispositivos e que os dados fornecidos fossem completamente precisos – um aspeto que, comparado a outras marcas, a Samsung ainda precisa de aprimorar em relação à precisão de certas informações. No entanto, parece que estamos a avançar nessa direção.
Este acesso fácil aos dados pode ainda levar à escolha, por parte dos utilizadores, de ignorar sinais óbvios em detrimento de um IA e não procurar ajuda profissional quando necessário, escolhendo confiar em pleno nestas soluções que nunca vão conseguir atender todo o espectro humano. Uma vez que estes equipamentos são mais voltados para a condição física geral, não me surpreende se o mercado da saúde e bem-estar, nomeadamente ginásios, se ajustem para acomodar todas estas métricas e os próprios P.T's procurem abordagens diferentes e até mais personalizadas aos seus alunos.
Acrescento ainda a esta reflexão com teor futurístico, o como a Samsung já confirmou, aquando do Unpacked e de forma aberta, como tem investido para aquele que será dos grandes saltos destes equipamentos: a monitorização dos níveis de açúcar no sangue e sem necessidade de agulhas. Sendo algo que a Apple está igualmente a trabalhar, acredito que os próximos anos serão cruciais para a saúde e cuidado pessoal na medida que o consumidor terá, nas suas mãos, equipamentos altamente sofisticados que poderão impactar a vida diária e a deteção de condições médicas de forma muito mais precoce. Isto tem claros impactos no acesso à saúde geral e até no dinheiro gasto por cada país na mesma. São estas plataformas futuros deuses? Não, ainda. Mas as potencialidades estão lá e urge a necessidade de estarmos cada vez mais atentos na regulamentação, rigor científico e conhecimento geral da população de todos os prós e contras.
"Knowing is good, but knowing everything is better."*
É com esta citação do filme The Circle (2017) que encerro a crónica desta semana e vos deixo a pensar de que forma o conhecimento é tão bom e necessário que, a certo ponto, irá começar a abranger algo até agora impensável: os nossos dados únicos e sensíveis de saúde. Com ferramentas poderosas de inteligência artificial que os comparam com milhares de casos clínicos, iremos atingir, sem dúvida, um qualquer marco. Quer este seja na quebra da nossa privacidade ou no alimentar de algoritmos de determinadas empresas, parece-me cada vez mais lógico a nossa necessidade de, a longo prazo, fazermos uma escolha. Resta saber qual será...
(* Saber é bom, mas saber tudo é melhor.)
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